Até uma certa idade eu odiava musicais, pq eles passavam, na sessão da tarde no lugar dos filmes de ação e aventura e as pessoas começavam a cantar e dançar do nada, isso me irritava, agravado pelo fato de, certa vez, minha mae querer me fazer entrar num cinema que tava passando a noviça rebelde, quando, do lado, outro cinema exibia 2001. e aquela roda espacial me agradava mais do que aquela mulezinha correndo feliz com maletas (rs). Contudo, isso começou a mudar quando assisti a meu primeiro musical, Tommy, baseado na opera-rock do The Who. Aí, sim.
Mas Tommy nao seria tao legal e delirante se nao tivesse sido dirigido por Ken Russell, que deu uma bela melhorada no material original (criou mais situações e mudou alguma coisa) e escalou um elenco sensacional (oliver reed, ann margret, elton john, eric clapton, tina turner, jack nicholson etc). A partir dai, fiquei fascinado pelo diretor. Infelizmente, seus filmes geralmente eram improprios para menores ou banidos/cortados no Brasil, pq sempre mexiam com sexualidade ou questionavam a religião (a cena inteira de Clapton em Tommy nunca passou nos cinemas daqui).e, como somos um pais carola -- e saindo da ditadura--, sempre dava merda por aqui.
uma das mais perturbadoras sequencia de "The devils":
Felizmente o VHS apareceu nos anos 80 e pude ver alguns de seus filmes, ainda que em copias piratas, ja que eles tbm nao eram lançados aqui nem em video. Como a delirante biografia de Franz Liszt, Lisztomania, com Roger Daltrey, Rick Wakeman e Ringo Starr; o banido Os demonios (sobre histeria religiosa, que tem cenas realmente perturbadoras e atuações perfeitas de Oliver Reed e Vanessa Redgrave), ate que, depois do sucesso de Tommy, ele passou a fazer alguns filmes para estudios de Hollywood, à sua maneira, claro, que chegaram aqui nos cinemas. Como Altered states (homenageado em Fringe com o tanque de isolamento e a atriz Blair Brown) e Crimes de paixão (ultimo grande papel de Anthony Perkins, como um fanatico moralista que se apaixona por uma prostituta feita por Kathleen Turner, vulgo China Blue).
Nao durou muito, claro, ele era ousado demais para os yankees. Então voltou para a Inglaterra onde fez filmes cults por pequenos estudios, como 'A maldição da serpente' (que lançou hugh grant), 'A ultima dança de Salomé' e seu ultimo grande filme, Gothic (alegoria de como teria sido a noite em que Mary Shelley, Percy Shelley e Lord Byron passaram isolados numa mansão a base de estimulantes, o que originou o livro Frankenstein e varios poemas de Byron e Shelley). Na maioria das vzs, os criticos nao gostavam mais dos exageros e estilo rococó do diretor do que o público ('Faço filmes para incomodar', disse Ken certa vez). Mas é inegavel que ele construiu uma linguagem propria e nunca se ateve as regras do cinema mainstream. fazendo o que lhe dava na telha. É menos um genio num mundo de idiotas assépticos. Palmas para ele!
*o moulin rouge de baz lurhman deve muito a russell...
abaixo, a sequencia cortada no brasil de tommy, com eric clapton:
O cinema de Ken Russel era bastante pessoal e seus filmes carregavam o testamento do camaleão que o cara foi: por vezes, uma sublime beleza e classe, outras vezes o caos. Podridão e finesse. Acho que The Devils é seu filme-emblema, o mais estiloso, o mais na cara, o mais escroto. um de meus prediletos always. Mas The Music Lovers é absolutamente lindo e o vértice psicanalítico que ele colocou me agrada muito tb, resultou numa obra prima, muito bem montado. E como esquecer de viagens alucinantes, um Bzão de primeira, com seu Jesus monstro na cruz e a primeira aparição de Drew Barrymore. Mulheres apaixonadas tb é foda.. Vai fazer falta.. Tomara que depois da morte ganhe mais visibilidade por aqui ..
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